Preço e eficiência têm levado agricultores a fabricar pesticidas naturais nas fazendas, mas é preciso tomar alguns cuidados
A ABCBio engloba 23 empresas do setor – sejam químicas ou apenas biológicas. De acordo com a associação, a queda nas vendas de agrotóxicos pode ser atribuída à diminuição de lançamentos pela indústria, à resistência de pragas e doenças às moléculas químicas, à pressão pelo menor uso de agrotóxicos em culturas alimentícias e às novas tecnologias, como a biotecnologia de sementes, além dos próprios biodefensivos.
Uma pesquisa realizada pela ABCBio em parceria com a consultoria Informa Economics FNP revelou que, de 2016 para 2017, o uso de biodefensivos aumentou 25% por hectare no Brasil. O estudo aponta que usuários apostam no crescimento da demanda nos próximos anos.
Segundo a entidade, além dos produtos registrados no Ministério da Agricultura, o mercado de biológicos é composto por biodefensivos sem registro, biodefensivos registrados como fertilizantes e biodefensivos caseiros.
O Ministério da Agricultura (Mapa) diz não ter como regulamentar a produção on farm. De acordo com o diretor de insumos agrícolas da pasta, André Peralta, o problema é que não há critérios mínimos estabelecidos para a fabricação. “Devem existir regras, padrões mínimos, mas não cabe ao ministério legislar sobre uso próprio”, diz, lembrando que a Embrapa vem trabalhando na padronização.
O presidente da ABCBio, Gustavo Hermann, lembra que o mercado nasceu na informalidade. Por isso surgiu a associação, em 2007. Para se associar, a empresa precisa ter registrado ao menos um produto biológico como defensivo. “Existem outros biológicos no mercado, como inoculantes, que são bactérias fixadoras de nitrogênio. Ou seja, são organismos biológicos, mas não são de controle”, diz.
Registrar um biodefensivo requer o mesmo padrão de um químico, com apresentação de análises toxicológicas e laudos de eficiência agronômica. “É tão burocrático e custoso para as empresas quanto o registro do defensivo tradicional. Temos algumas vantagens porque a maioria dos produtos são de baixa toxicidade. Por se tratar de um produto mais natural, há etapas que conseguimos pular.”
Outra vantagem, segundo a associação, é que os biodefensivos são registrados de acordo com as pragas, e não para determinada cultura agrícola, como acontece no caso dos agroquímicos. Assim, os biológicos podem ser aplicados em qualquer cultivo. Até julho de 2018, existiam 168 registros de biodefensivos no Mapa. Em 2006, havia apenas um.
Nesse cenário de crescimento, o interesse dos produtores pelos biológicos preocupa a indústria. A ABCBio diz que, não raramente, o agricultor é enganado por fornecedores de produtos que prometem controlar pragas ou patógenos nas lavouras, mas que, na verdade, foram registrados como fertilizantes. “É um desvio de uso”, afirma Gustavo, alegando que a legislação para o registro de defensivos é mais complexa, demorada e cara do que a norma para adubos.
A indústria não se diz contrária à produção caseira, mas explica que há empresas que vendem “kits” para a formulação de biodefensivos nas fazendas, prática que tem conquistado produtores de culturas como grãos, cana e hortifrútis. “A produção caseira é facultada ao agricultor, mas é obrigação da indústria alertar seus clientes finais sobre o uso”, diz Gustavo.
Em setembro do ano passado, a entidade enviou uma consulta ao Mapa sobre a fiscalização desses produtos, mas não teve resposta. Agora, a ABCBio está conversando com o Ministério Público Federal, fim de conter a produção em larga escala sem regulamentação e encaminhar recomendações aos órgãos federais sobre a necessidade de cumprimento da legislação que as empresas são obrigadas a seguir.
“O maior problema é a pirataria. Os agricultores compram produtos registrados para multiplicar as bactérias nas fazendas. Queremos o posicionamento dos órgãos sobre o cumprimento e a fiscalização das leis, seja do produtor, seja da indústria. Se houver um problema, a conta vai sobrar para os biológicos”, afirma Gustavo Hermann.
O produtor de Mato Grosso ouvido pela reportagem diz já ter recebido visitas de representantes de empresas de biodefensivos que dão “orientação fraca” sobre os produtos. Mas ele acredita que as grandes companhias do setor estão fazendo um lobby para a proibição da multiplicação on farm. “Está se tornando um problema.” Segundo ele, a produção reduz muito o custo dos produtores com defensivos. Em seus cálculos, diz que a diminuição pode ser de 80%.
Ciente desse cenário, a Embrapa vem ministrando cursos, dando assistência técnica e, recentemente, finalizou um manual sobre o controle de qualidade e orientação para a produção on farm. Segundo a pesquisadora Rose Monerat, presidente do portfólio de controle biológico da Embrapa, a publicação nasceu a partir de um curso realizado no ano passado. “É um manual para produzir uma bactéria, a Bacillus thuringiensis, utilizada para matar lagartas. O mercado de biológicos cresce a taxas de 17% a 20% ao ano e queremos que ele se expanda mais e com qualidade”, afirma. Foi a resistência das lagartas aos agroquímicos que despertou a atenção dos produtores para novos insumos. “No início, a produção nas fazendas era bastante rudimentar, no entanto, o produtor começou a ver o valor do controle biológico”, diz Rose.
O curso do ano passado surgiu quando a pesquisadora viu que muitos agricultores estavam fabricando biodefensivos de qualquer jeito. Rose explica que os produtores sabem os riscos de produzir microrganismos em condições precárias. “Eles estão se profissionalizando para fazer da forma correta, porém, há muita gente fazendo errado”, diz, lembrando que a produção nas propriedades requer uma estrutura mínima.
“No laboratório, esterilizamos tudo, inoculamos a bactéria e deixamos ela crescer. Fazemos o controle de qualidade para ter certeza de que apenas ela cresce. Se você joga uma bactéria numa caixa d’água aberta, sem higiene e sem esterilização, você vai fazer crescer essa bactéria e várias outras. No final, nesses contaminantes, você pode ter organismos indesejados”, alerta a pesquisadora.
Ainda assim, Rose diz que os produtores estão protegidos pela lei. “Se pegarmos ao pé da letra, o produtor que está fazendo na caixa d’água está amparado. Isso não é competência da pesquisa, mas gostaríamos que houvesse regras. Assim poderíamos assegurar a qualidade do produto.”
Para Rose, se seguir à risca as orientações propostas e fizer um bom controle de qualidade, o produtor pode ter segurança. “Ele terá praticamente uma fábrica na fazenda. Pode até registrar o produto, se quiser. A ideia é que isso seja feito de modo profissional.”
A pesquisadora ainda lembra que defensivos biológicos devem ser usados dentro de um programa de manejo integrado de pragas. Trabalhando há 29 anos na Embrapa, Rose diz que nunca viu os agricultores tão empenhados em encontrar soluções alternativas para o combate às pragas. “Eles estão vendo que a quantidade de químicos que estavam usando não está dando certo. Não adianta ficar esperando que as coisas vão acontecer sem fazer nada de modo natural. Acho que a sociedade também está demandando isso. Depois que experimentaram e viram que está funcionando, tem muita gente criando coragem para usar agentes de controle biológico.”
(Reportagem publicada originalmente na edição nº 396 de Globo Rural, em outubro de 2018.)
Fotos: Rogerio Albuquerque; Fabiano Accorsi; Adriano Machado; José Medeiros e Adriano Machado
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